sexta-feira, 21 de maio de 2010

A concisão de Graciliano Ramos e a literariedade

Graciliano, autor de romances como Caetés, Memórias do CárcereVidas Secas e S. Bernardo, comparava o ato de escrever ao trabalho das lavadeira do Alagoas. Elas primeiro enxaguavam o tecido, depois torciam com toda força, depois batiam a roupa na pedra e então torciam-na de novo e de novo, até que nenhuma gota caísse.

O autor faz o mesmo com seus livros. Escreve-os várias vezes para que possa tirar qualquer palavra em excesso. Diz ele: "A palavra não foi feita para enfeitar, brilhar como ouro falso; a palavra foi feita para dizer". Graças a essa opinião, sua narrativa é limpa, sóbria, mas sem ser entediante.

O mais incrível do autor é a união de conceitos que antes pareciam completamente opostos; temos o clássico uso simultâneo da denúncia social e da exploração psicológica, em que foi considerado o melhor entre os escritores de sua época. Outro tipo de união que acontece e é surpreendente é a presença de linguagem poética e literária, mesmo com tamanho critério quanto ao uso de adjetivos, advérbios e outras palavras que não são essenciais no texto.

Não é todo escritor que consegue equilibrar esse dois lados, entretanto. Há muitos que valorizam bastante as metáforas e as palavras bem escolhidas, às vezes catadas no dicionário com certa dificuldade. O autor, assim, valoriza a forma, como faziam os parnasianos, e acaba não se preocupando com o conteúdo; mesmo quando o conteúdo é bom, fica difícil para o leitor apreendê-lo no meio de tantos preciosismos e figuras de linguagem exageradas.

Já outros pendem para a preocupação apenas com o que querem passar, e a mensagem vira somente referente. O texto se torna seco, sem graça e os leitores (que esperavam um texto artistico) acabam abandonando a leitura, mesmo que o conteúdo os interessasse.

O autor alagoano, mesmo pendendo mais para o lado dos que prezam o conteúdo, não deixa de trabalhar a linguagem literária em seus livros; de forma diferente no entanto. Em vez de usar dispendiosas (em termo de palavras) metáforas e comparações, ele faz o uso da metonímia, principalmente em Vidas Secas.

Na metáfora, a realidade é comparada ou trocada por algo fora dela, o que parece ser, para o autor, um recurso inadequado num livro que pretende mostrar a vida dura dos personagens exatamente do jeito que é. Os próprios personagens têm dificuldades em construir construir esse recurso linguístico. Sinhá Vitória, por exemplo, se envergonha da comparação que faz do próprio pé com a pata de um papagaio, acha estranho.

Na metonímia, entretanto, apenas troca-se um termo da realidade por outro com que tem relação lógica. Às vezes, em vez dos objetos inteiros, Graciliano usa apenas partes deles, talvez como forma de se aproximar da realidade dos personagens. Em outra passagem de Vidas Secas, Fabiano vê apenas manchas verdes em vez de árvores, já que ele tem muitas outras preocupações. Calor, sede, fome entre outros não fazem da visão da paisagem sua prioridade.

Por trocar realidade por realidade, a metonímia não tira o aspecto verossímil e cru das histórias, e é por isso frequentemente usada pelo autor em seus livros.

No início do romance S. Bernardo, o personagem principal encarrega Gondim de escrever o livro de memórias para ele. Ao ler o que o jornalista escrevera até ali, reclama:


"— Vá para o inferno, Gondim. Você acanalhou o troço. Está pernóstico, está safado, está idiota. Há lá ninguém que fale dessa forma!


Azevedo Gondim apagou o sorriso, engoliu em seco, apanhou os cacos da sua pequenina vaidade e replicou amuado que um artista não pode escrever como fala.


— Não pode? perguntei com assombro. E por quê?


Azevedo Gondim respondeu que não pode porque não pode.


— Foi assim que sempre se fez. A literatura é a literatura, seu Paulo. A gente discute, briga, trata de negócios naturalmente, mas arranjar palavras com tinta é outra coisa. Se eu fosse escrever como falo, ninguém me lia."



E, você, jovem padawan escritor, para que lado pende?

Assassinado por Vagabundo.

Um comentário:

Tangerina disse...

VIDAS SECAS. ♥ ♥ ♥ ♥ ♥

Mãs. Não sei, boa pergunta. hmm.

Gostei do texto, Cord. Really. =3